sexta-feira, 5 de junho de 2009

I Parte

Aquele abraço encheu-me de alegria. Não estava à espera que o Tiago reagisse assim. Puxou-me pela mão e levou-me até ao hall de entrada.
- Olá Cândida.
- Olá, Lara. Estou a ver que gostou de vir cá. - disse com um sorriso na cara.
- Sim, gostei muito. - respondi com sinceridade.
Reparei que a professora olhava atentamente para a minha mão que estava dada com a do Tiago. Ele tinha vestido uns calções vermelhos e um uma t-shirt também vermelha. De repente, mais rapazes chegaram para me felicitar. A maior parte deles vinha com a testa suada de estarem a jogar à bola, mas mais uma vez o Tiago não tinha estado com eles. A professora Cândida levou-nos até à sala de estudo e disse para eles fazerem desenhos. O Tiago raramente saía do pé de mim. E, desta vez, ria-se e falava de tudo. Estava bastante mais solto do que da última vez.
- Vou fazer um desenho para ti. - disse-me a sorrir. - O que queres que desenhe?
- Olha, faz o que quiseres. O que te vier à mente.
- O que queres que desenhe? Diz, vá lá. - insistiu.
- Desenha como vês o mundo.
Durante quinze minutos não falou comigo e eu aproveitei esse tempo para conversar com a Cândida. Às vezes sentia que ela insinuava que não queria que voltasse a visitar estas crianças.
- Sabe, Lara, estas crianças são muito carentes. Necessitam de muito amor e às vezes as pessoas que vêm visitá-las dão-lhes esperanças, alimentando-lhes os seus sonhos. E depois quando se fartam de vir cá, deixam de aparecer sem explicarem às crianças a situação. Por isso é que nós andamos a cortar as visitas tão regulares aqui...
- Pois, eu calculo. Mas tem de compreender e ter em conta que nem todas as pessoas são iguais. Eu era incapaz de fazer isso, se voltei cá uma segunda vez é porque gostaria de voltar mais vezes e com maior regularidade. Quando saio daqui, você não imagina mas não penso noutra coisa. Estas crianças enchem-me o coração, Cândida. - disse, mostrando o que sentia. Não sabia se iria facilitar ou não as coisas, mas na verdade era o que eu sentia e saiu-me espontaneamente.
- Já está. - interrompeu o pequeno Tiago, estendendo a folha na minha direcção.
O desenho estava lindíssimo. Aquela representação sobre o mundo estava digna de um artista. Por trás via-se um muitas cores que deveriam corresponder a um arco-íris muito original. Em primeiro plano via-se uma criança a olhar em direcção ao céu de onde surgia uma luz amarela.
- Está muito muito bonito, Tiago. Esta luz amarela...
- É Deus. - disse muito rapidamente, corando.
- E este és tu? - perguntei, curiosa.
- Sim.

terça-feira, 2 de junho de 2009

I Parte

Na sexta-feira de manhã quando cheguei ao escritório arrumei a papelada toda que tinha que trabalhar enquanto fazia tempo para ligar para a directora da instituição. Assim que arrumei tudo fui tomar o pequeno-almoço com a Beatriz, a minha melhor amiga.
- Hoje vou ver se saio mais cedo. - disse-lhe.
- Porquê? - perguntou, enquanto dava uma trinca no pão com manteiga.
- Lembraste de eu te falar daqueles meninos da instituição?
- Sim, sim. Até falaste bastante de um menino em particular.
- Exacto, o Tiago. Olha decidi que hoje vou lá outra vez.
- Gostaste mesmo de lá ir, Lara? Não ficas triste com o que vês? Afinal de contas são crianças orfãs.
- Não te vou dizer que não fico triste, claro que me deixa deprimida saber que aquelas crianças não têm familiares...
- Eu não sei se era capaz de lá ir. Depois apegámo-nos às crianças e torna-se tudo mais difícil. - disse-me a Beatriz.
- Pois, mas eu prefiro sofrer mas puder dar-lhes um pouco do amor que lhes faz falta.
Mal cheguei à sala, peguei no telemóvel e marquei o número do telefone da instituição que já sabia de cor. Ouvi atentamente o sinal a chamar.
- Estou sim? - perguntou-me a voz do outro lado da linha.
- Bom dia, daqui é a Lara. Fui a semana passada fazer uma visita e gostava de perguntar se poderia passar aí ao final da tarde para fazer mais uma visita.
Senti que havia uma hesitação na resposta.
- Sim, pode cá aparecer por volta das seis horas que já devem cá estar os meninos quase todos.
- Muito obrigada. Então fica combinado.
- Até logo então, Lara.
As horas no meu psicólogico passaram muito lentamente devido à ansiedade para voltar a estar com aquelas crianças. Chegaram as cinco e meia da tarde e eu comecei a arrumar as minhas coisas. Entrei no carro e pus o rádio a tocar. Estava, de facto, ansiosa por estar com eles, especialmente, pois tinha de o confessar no meu intímo, com o Tiago. Estava com um pouco de medo da reacção deles. Só tinha lá ido uma vez. Não sabia o que podia esperar deles. Mas desejava que eles gostassem da visita.
Estacionei o carro no parque mais próxima da instituição. Quando cheguei à entrada, toquei à campainha e quem me veio logo abrir a porta foi quem eu mais queria ter visto, o Tiago. Esboçou um sorriso de orelha a orelha que eu nunca lhe tinha visto no rosto. Dei um passo em frente e ele agarrou-se à minha cintura.
- Olá Tiago. - disse a sorrir para ele.
- Olá, Lara. Pensei que não ias voltar mais como as outras pessoas que cá vieram! - disse, finalmente largando-me.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

I Parte

Quando cheguei a casa pus-me a pensar no que se tinha passado. Algumas atitudes daquela professora tinham me chamado à atenção. Parecia muito querida com os meninos. Contudo, o Tiago pareceu-me um pouco assustado com a presença dela. Não podia afirmar isso com exactidão, uma vez que só tinha lá estado uma única vez.
Já tinha ido a muitas instituições conhecer crianças. No entanto, nenhuma criança me tinha cativado tanto como o Tiago. Sinceramente, não sabia o que ele tinha para ser tão especial. Mas tinha a certeza de que o era. Sabia que tinham ficado coisas por dizer. Antes de me vir embora pedi à professora que me tinha acompanhado para me despedir do Tiago.
- Ele não gosta de visitas, Lara. Agradeco-lhe a atenção, mas esse menino realmente tem uns problemas de interacção.
Aquela resposta ficou me na mente. Problemas de interacção? Sim, realmente ele pareceu muito menos adaptado àquele meio do que qualquer outra criança. Contudo, não me acreditei que fosse esse o seu problema.
Conversei com o Pedro - o meu marido - sobre o assunto. E expliquei-lhe que fiquei mesmo impressionada e que gostava de lá voltar. O Pedro nunca se opôs a estas minhas visitas periódicas a instituições. Contudo, também não se oferecia para me acompanhar.
Quando nos fomos deitar, custou-me adormecer. Só conseguia pensar nesta visita à instituição. Estava disposta a ir novamente lá na próxima semana.
A semana passou com tranquilidade. Peguei por várias vezes no telemóvel para ligar à directora da instituição, mas perdia sempre a coragem. Deu-me a impressão que elas não gostavam que pessoas de fora se aproximássem muito dos miudos. Eu gostava de perceber o verdadeiro motivo. Organizei a minha agenda e decidi que na sexta-feira iria sair mais cedo do escritório para ir visitar os meninos. Falei com o Pedro, mas ele não se mostrou disposto a ir, justificando que tinha muito trabalho no consultório.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

I Parte

No sorriso dele eu já não via mais o receio. Pensei em quebrar o silêncio entre nós, mas antes de eu acabar de pensar nisso apareceu um rapazinho que se pôs à nossa frente e disse um 'olá' cheio de emoção.
- Olá. - respondi, tentando corresponder com a mesma emoção.
- Venha brincar connosco à apanhada. - disse ele, ignorando a presença do outro rapaz que estava sentado ao meu lado.
- Vens? - perguntei ao outro rapazinho que tinha cativado a minha atenção.
- Não, prefiro ficar aqui.
Mordi o lábio e pensei numa resposta simpática para dar ao rapaz cheio de energia que estava de pé à minha frente.
- Vou já lá ter.
- Mas venha mesmo, porque o Tiago não vem de certeza. - disse ele, virando as costas e voltando a brincar à apanhada no pátio.
Eu olhei para o Tiago, tentando perceber o que o outro rapaz quisera dizer com aquele comentário. Ele não respondeu, apenas encolheu os ombros e olhou para outro lado.
- Então chamaste Tiago, certo? - perguntei.
- Sim. E você? - perguntou com timidez.
- Chamo-me Lara. Podes me tratar por tu. - disse a sorrir.
O Tiago correspondeu com um sorriso simpático. Era um rapaz muito giro: olhos castanhos, cabelo escuro e pele escura. Tinha a estatura de um menino de nove ou dez anos.
- Posso saber o que vieste cá fazer? - perguntou, arregalando os olhos.
- Vim fazer uma visita. Gosto muito de crianças, sabes.
Ele abriu a boca, deixando-me na expectativa de que queria dizer algo que não disse, pois voltou a fechá-la e olhou novamente para o lado. De repente, olhei para o pátio para observar os outros rapazes que lá estavam a brincar e vi uma senhora de bata vermelha a ralhar com eles. Levantei-me para ir saber o que se passsava e olhei para o Tiago.
- Vens comigo?
Ele não respondeu. Levantou-se e deu-me a mão. Já tinha reparado que o Tiago não gostava muito de falar. Quando chegámos à beira da senhora eu apresentei-me.
- Olá, eu sou a Lara. Estou cá de visita.
- Olá, Lara. Eu sou a professora deles, a Cândida. - disse de forma simpática, fazendo uma breve pausa. - Tiago, o que estás a fazer aqui fora? Vai para a sala de convívio, querido, não podes apanhar vento.
O Tiago olhou para mim e largou-me a mão. Sorriu e disse-me um 'adeus' baixinho que quase que não ouvi. Enquanto ele saía pela porta do pátio, vi-o sair a passo acelarado.
- O Tiago está doente?
- Sim, mas já está melhor. - respondeu-me com naturalidade. - Pedro, não empurres o Afonso! - gritou com um dos meninos.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Prefácio

Os olhos castanhos entristecidos daquele rapazinho encararam os meus. Aquela doçura de olhar derreteu-me o coração. Enquanto ele ali estava sentado no chão, os outros brincavam e riam no pátio. Com certeza eram mais felizes do que ele naquele lugar. Abriu-se no meu rosto um sorriso, numa tentativa de convidá-lo a vir ter comigo, como muitos outros tinham feito. Mas ele não veio, permaneceu quieto, sem desviar o seu olhar do meu.
Uma súbita vontade de abraçá-lo apoderou-se de mim. Porém, não queria assustá-lo. Apenas dei dois passos em frente e continuei a sorrir. Esparava que ele se mantivesse na mesma posição, no entanto, ele remexeu-se no seu lugar e esboçou um sorriso tímido, onde eu podia ver o receio. Com confiança, dei mais dois passos e sentei-me no chão ao lado dele. Nenhum de nós falou, apenas mantivemos o olhar um no outro.